11/17/2004

O perfume da traição

Fomos traídos.
Em 30 anos nada mudou. Nada de significativo. Mudaram as casas, as cidades, as ruas e os seus nomes, mas nada de significativo.
Continuamos a ser pobres e a ter poucos horizontes. Continuamos mesquinhos.
Continuamos fracos e oprimidos, perante o ardor de sermos mais fortes e o jugo a que a economia de escala e à escala do globo nos submeteu.
Em 30 anos evoluímos em números, mas diminuímos a nossa vontade de nos expressarmos pelos números.
Temos mais dinheiro e menos preocupações com os outros.
Temos mais riqueza e menos controlo sobre o que é nosso.
Temos mais poder e menos responsabilidade.
Temos mais amor próprio, mas muito menos capacidade de intervenção.
Em 30 anos, construímos uma sociedade mal preparada e pouco interessada no seu sucesso.

A culpa é toda nossa.
Em 30 anos vimos com olhar doce o ocaso das nossas glórias e a fugaz intermitência de conquistas duvidosas.
Em 30 anos dedicámos todo o esforço a, paulatinamente, sofregamente, sossobrar a pequenez a que estávamos forçados.
Em 30 anos nada de significativo aconteceu.

Ainda temos caciques, barões e mercenários.
Temos ainda pessoas capazes de tudo por um quinhão. Capazes de indignidade, desonestidade, falsidade, abuso de poder e confiança. Temos pessoas capazes de coisas para as quais não existe nome.
Em 30 anos não conseguimos livrar-nos dos politiqueiros, dos Monarcas de Província, dos aldrabões de 1ª apanha, que ardilosamente nos tramam e nos fazem "emprenhar pelos ouvidos". Não estamos safos dos mentirosos de 2ª que descaradamente se servem de curiosas distorções pessoais da verdade, para levar a bom porto a sua vida.

Eu penso muitas vezes, com agravo, sobre isto. Eu sinto-me pessoalmente atingido por isto. Eu não quero viver num sítio, partilhando-o com pessoas tão reles.
O meu país não pode ser o mesmo país destas pessoas. Eu não posso pertencer ao mesmo "clube" que estas pessoas.
Eu não quero contribuir para a melhoria das condições de vida destas pessoas. Eu não quero pagar impostos para que estas pessoas tenham médico, subsídio de férias Natal e refeição, estradas, aeroportos, teatros, hospitais e outras regalias que são para todos.
Eu já não aceito que as regalias sejam para todos. Nem as mordomias, nem os direitos.
Temos de encontrar a vergonha que alguns perderam e devolver-lha. Temos de lhes devolver a honradez, a capacidade de julgar e decidir justamente o certo do errado.
Não consinto que se consinta em aceitar a desfaçatez, a maledicência gratuita, a incompetência, a imoralidade. Não posso tolerar, nem tolero que se seja tolerante com a hipocrisia, a mentira, o abuso e a ignorância passiva.
Não admito a descridibilização de tudo o que é puro e tem nobreza, em detrimento daquilo que é vil e em prol de uma oligarquia semi-secreta e empossada por hábitos e costumes de antigamente e vivendo exclusivamente para se engordar a si própria. Nem aceito que esse modelo de vida se generalize a todos os locais onde exista a possibilidade de ter poucos a mandar em muitos. Tem de haver Nobreza e Responsabilidade. Tem de haver Lei. Tem de haver Moral. Tem de haver Valores e Princípios. Não pode haver apenas Liberdade.
Há isso tudo, mas ainda é preciso afirmar isso tudo. É preciso que todos se lembrem.
E depois há o meu país. Portugal...

O meu país tem de ter toda a gente que nele vive, interessada nele, mas mesmo interessada. Não pode estar sempre à espera.
O meu país é importante. Carece de zelo e respeito. Carece de ser bem tratado.Não pode ser sempre posto em último lugar de todas as preocupações pessoais de cada um.

O meu país precisa de todas as mãos e todas as cabeças que existem nele, que estão ou vão estar nele, porque o meu país não pode esperar mais.
O meu país está cansado de ser adiado.
O meu país está cansado de ser gozado.
O meu país está cansado de ser diminuído, consumido, agredido e amarrotado.
O meu país está farto de ser podre, pobre, menor.

O meu país não pode mais suportar a existência de pessoas que só pensam em si próprias.
O meu país não pode mais suportar a existência de pessoas que só existem e não se interessam, apesar de poderem.
O meu país está farto de ser só um chão para ser pisado e cuspido.

Eu sou o meu país. Eu "sou" farto de ter de coexistir com outros que odeiam e me odeiam.
Eu quero ser livre. E quero que me ajudem a ser livre.

Já chega de ser mal-amado.

Fiz uma pergunta a mim próprio. Para onde ir?
Encontrei só uma resposta. Para a frente, com toda a gente e por toda a gente. Por esta ordem.

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